Zonas de Intensidade e Treinamento
Passada toda aquela coisa com equipamento, porquês, siglas, termos técnicos e etc.. O que mais interessa é: Como usar esse bichinho (que custou uma fortuna) para melhorar?
Conheço alguns atletas que têm medidores de potência, mas poucos que realmente usam. Você pode comprar um e passar o resto da sua vida atlética assistindo números “pipocarem” na sua frente e falando para os outros que fez isso ou aquilo de potência, ou pode aprender a fazer esses números aumentarem.
Para efeitos de treinamento de ciclismo, 6 zonas de intensidade são derivadas a partir do FT de um atleta (* por isso a importância de monitorar esse número com uma certa freqüência e alterar as intensidades conforme necessário). São elas
Leve / Recuperação: abaixo de 55% do FT
Endurance: 56% à 75% do FT
Endurance Intensiva (ou Tempo): 76% à 90% do FT
Limiar (FT): 91% à 105% do FT
VO2: 106% à 120% do FT
Capacidade Anaeróbia / Explosão: acima de 120% do FT
Leve / Recuperação: Como o próprio nome sugere, serve primariamente para aquecimento, soltura ou intervalos entre tiros. Treinos regenerativos também deveriam ser feitos nessa intensidade, mas a natureza de um treino “regenerativo” é tal que se um atleta precisar de algo para guiá-lo é porque está fazendo errado. Ciclistas de ultra-distância, pela natureza do treinamento podem se beneficiar de treinos INSANAMENTE longos nesta intensidade.
Endurance: Treinos longos devem ser realizados nessa intensidade para aumento de limiar Aeróbio. Nesta intensidade devem ser realizados os treinos de base, ou de volume específico – dependendo da prova alvo. Não é necessário, nem mesmo desejável que 100% do tempo de um treino de base/endurance seja realizado dentro da faixa, mas grande parte dele deve ser feito nessa “zona” evitando grandes períodos de tempo nas zonas de Limiar e VO2. Um treino de base bem realizado é aquele em que a potência não oscila muito e a media da potência acaba ficando entre 60-65% do FT. Dependendo do atleta variam de 2 à 6 horas de duração, e ainda podem ter trechos específicos dirigidos à limiar ou VO2 dependendo da fase do programa de treinamento.
Endurance Intensiva: Muito conhecida como TEMPO (do inglês). Durante muito tempo foi chamada de “Gray zone” ou zona cinza, devido aos riscos envolvidos em se passar muito tempo em tais intensidades, uma vez que não é leve o suficiente para treinos longos de base, nem forte o suficiente para tiros visando aumento de limiar. Treinos nesta faixa de intensidade, também trabalham o limiar aeróbio, mas em muita quantidade podem levar ao comprometimento do programa de treinamento. O grande problema para nós triatletas é que cai bem na intensidade de 1/2IM para a maioria. Podendo ser intensidade de olímpico para atletas menos experientes e chegar a intensidade de IM para os profissionais e übberbikers de plantão. Exemplo de treino seria um treino de 2h30min com 90min na intensidade, a hora restante seria dividida entre aquecimento e soltura; pode-se também colocar séries de 20-30 minutos em trechos de treinos longos específicos.
Limiar ou FT: Esse é na minha opinião a alma dos treinos de CRI / Triathlon, se eu tivesse somente um dia da semana pra pedalar, com certeza seria pra treinar nesta intensidade. São os famosos treinos de tiros, feitos para aumentar o Limiar Anaeróbio e a potência específica em contra-relógio. São tiros que podem variar de 8-20min com intervalos suficientes para tomar uma água, respirar fundo, concentrar e partir para o próximo. Totalizando não mais que 40-45min de trabalho, por exemplo: 3x12min c/ 3min descanso ou (meu preferido) 2x20min c/ 5min descanso. Importante de treinos nesta faixa de intensidade é lembrar que não precisa “quebrar recorde” a cada treino, se os tiros forem realizados à 92% do FT tem o mesmo efeito que se realizados à 104%. Portanto, é um treino duro com certeza, mas nada de INSUPORTÁVEL.
VO2: falando em insuportável... Infelizmente essa é a zona da DOR. São treinos que visam o aumento da potência de VO2 de um atleta e indiretamente o aumento do VO2 (não é direto uma vez que eficiência mecânica acaba entrando na equação também). Devem ser realizados com muita cautela e não se prolongarem muito na periodização, pra mim de 4-6 semanas de treinos específicos de VO2 são suficientes para se atingir um pico. São séries de treinos que quanto mais “curtas e grossas” melhor. O tempo total de “trabalho” gira em torno de 20min com um máximo de 25min, e os períodos de recuperação são de 1:1 (trabalho x descanso), exemplo de séries de VO2: 6x3min (3min), 5x4min (4min) e o meu preferido 5x5min (5min).
Capacidade Anaeróbia: Honestamente a não ser que você seja um especialista em quilômetro contra relógio em pista ou esteja treinando para alguma prova em que picos de potência altíssimos de curta duração (não sprint) sejam necessários eu sugiro não mexer muito com isso. São séries curtas de 1-2min de MUITA potência com recuperação completa. Usei algumas vezes para “polimento” pra provas de perseguição, algo do tipo 8x2min com 5min de recuperação. Neste caso específico não adianta querer dosar potência, dói demais pra alguém conseguir reparar em números. O que é feito normalmente é estipular uma media para o tiro e parar caso não consiga atingir tal media em 2 tiros seguidos. O problema com esse tipo de treino é que compromete demais o andamento dos outros treinos na semana, portanto “se” necessário, procure fazer em um dia que seja seguido de um ou dois dias leves.
Como usar toda essa informação acima e distribuir pelos ciclos de treinamento, honestamente eu não sou qualificado para discutir. Algumas dicas que eu aprendi na “marra”, no entanto podem poupar alguns “dissabores” pelo caminho J.
Cuidados nas distribuições de intensidade: O maior erro em qualquer programa de treinamento é o de passar muito tempo treinando em intensidades intermediárias. Um programa bem elaborado usa um pouco de tudo, o importante é prestar atenção e fazer das partes “leves”, suficientemente leves para que os trechos duros sejam realmente DUROS. O maior erro que eu já cometi foi o de querer treinar “uma marcha acima” o tempo todo. Não há melhora nisso.
Excesso de treinos leves: Na verdade, são raras as vezes que eu subo na bike pra “girar” sem um objetivo específico. Simplesmente eu não tenho tempo pra isso. Treino ciclismo 3 vezes por semana e uma media de 6h na semana. Isso não me dá espaço pra ficar “passeando” de bicicleta por aí. Salvo os treinos de véspera de prova ou pós prova, cada dia em cima da bike tem um propósito específico. Quanto àquele treininho “extra”, só pra girar e fazer “volume”, eu passo. Ganho muito mais em ficar dormindo, trabalhando ou com a família. No começo de temporada eles existem com uma certa freqüência, mas são utilizados para corrigir técnica, arrumar posicionamento e se adaptar à novos equipamentos.
Subestimar as intensidades: Eu falo isso várias vezes porque esse é um erro grave – Os ganhos dos treinos com potência, vêm em se treinar nas intensidades corretas, não é treinando mais forte e querendo “bater recorde” todo treino que se melhora. Treina-se nas zonas estipuladas, pelos tempos estipulados... uns dias parecem fáceis e outros difíceis, mas é se mantendo no “programa” que a mágica vai acontecendo, e pra saber se está ou não funcionando é que existem os testes e obviamente as competições J.
Falta de monitoramento do FT: é incrível, mas tem gente que tem medo de se testar e ver como andam as coisas. O FT é um número que varia com uma certa freqüência, e vai respondendo ao treinamento. Não, ele não sobre sempre, e infelizmente ele varia pra baixo mais do que gostaríamos. E por isso monitorar pelo menos a cada 6 semanas é o ideal. Para garantir a fidedignidade dos números, cruze as informações dos treinos com a dos testes. É monitorando esse numerinho que conseguimos dosar a carga correta de treino para continuar melhorando sempre.
Falta de auto-conhecimento: não é porque sua planilha manda fazer 4 tiros de 10min a 300w que isso deva ser realizado de qualquer maneira. Não somos máquinas, e como minha coach costuma dizer, o papel aceita qualquer coisa e não leva em consideração fatores externos. A dica aqui é se conhecer, as vezes diminuir os tempos mas manter a intensidade produz o efeito, outras manter os tempos em intensidades menores... e em alguns casos, carregar o carro e ir embora pra casa é a melhor opção (por mais duro que isso possa parecer e eu sei porque já tive minha cota de “abortos”).
Bom, tentei resumir bastante nesses últimos 3 posts as informações básicas para iniciar no treino com potência. Tem MUITO mais coisa, e talvez um dia desses saia um “apêndice”.
Bons treinos!