Potência 201


Conceitos, Siglas e seus significados

Assim que eu instalei meu Power-tap e comecei a querer “entender” do assunto, me deparei com um monte de nomes e siglas. Uns eu já tinha ouvido falar enquanto outros não faziam o menor sentido, mas depois vim descobrir que eram muito importantes.

FT – Esse é com certeza para nós triatletas e contra-relogistas o marcador mais importante de potência, aquele que devemos treinar e nos empenhar para fazer que ele aumente. Do inglês “Functional Threshold” quer dizer algo como “limiar funcional”, nada mais é que uma maneira indireta e bem aproximada de acessarmos os limiares de lactato, anaeróbio, OBLA... Uma vez que esses marcadores citados somente conseguem ser definidos com precisão através de testes caros e muitas vezes invasivos (testes de rampa, progressão à exaustão e outros do tipo), o FT consegue ser estimado através de testes de campo ou análise de distribuição de potência (desde que em quantidade suficiente).

Por definição, o FT de um atleta é o maior esforço “bem dosado” que ele consegue realizar pelo período de aproximadamente uma hora, descansado, alimentado e hidratado. Em miúdos, um contra- relógio de aproximadamente uma hora após um ou dois dias de descanso. O Ideal seria que conseguíssemos participar de um CRI de 40km uma vez a cada 6 semanas pelo menos, assim teríamos como medir o FT com uma constância. Mas dada a natureza precária do esporte aqui no nosso país, conseguir isso uma vez por ano já é bastante difícil L.

Por isso eu costumo usar testes de 20 minutos em conjunto com a analise da distribuição de potência do último mês.

Teste de 20min: O ideal era fazer 60 minutos, mas vamos convir que acordar de manhã, achar uma estrada tranqüila o suficiente e, pior de tudo, encontrar motivação pra fazer um contra relógio de 40km sem a “pilha” da competição, só pra medirmos nossa própria performance é MUITO DIFÍCIL. Por isso o teste de 20 minutos.

Normalmente eu faço o teste uma vez a cada dois meses (no começo eu fazia com mais freqüência, mas alguma vantagem eu tenho que levar por ter passado anos olhando e estudando esses numerinhos J). O teste é feito numa semana normal de treinos, pois não requer (e nem é desejável) descanso prévio. Eu simplesmente troco por um treino de tiro ou CRI. Procuro usar sempre o mesmo local e protocolo de aquecimento (uns 30 minutos), depois dou uma paulada de 5 minutos (só pra tirar qualquer excesso de energia acumulada), rodo leve por 10 minutos e parto pra briga: 20 minutos, começando forte mas dosado durante os primeiros 3-4 minutos, depois entrando na zona de “DOR” até os 5 minutos finais onde eu gasto todo o “cheque especial” J

É difícil de fazer bem feito de primeira (até mesmo de 2a, 3a...) Leva um tempo para conseguir dosar e matar o teste a pau. Normalmente o que acontece é usarmos o padrão dos treinos feitos baseado em FC, começamos muito fortes e quebramos no final. Lógico... é usar um pace correto para um CRI já é difícil quando se treina pra ele, imagina nas primeiras vezes!?!?!

Bom, daí eu pego a potência media desses 20 minutos, tiro 5% e uso como meu FT. E a partir daí desdobro minhas zonas de intensidade para treinos de CRI, VO2, Endurance, etc..

Análise da distribuição de potência: Utilizando um programa de analise de dados de potência, e considerando que no período escolhido tenha um pouco de tudo (treinos solo, em grupo, tiros, subidas, etc..). Faz-se um gráfico (de barras é melhor) da distribuição de potência a cada 10-15w do período, o FT vai se encontrar onde existe a maior queda nas barras (veja exemplo abaixo) pelo simples fato de que é muito mais difícil passar muito tempo acima do limiar.

Uma ressalva deve ser feita para atletas de longa endurance, que não passam tempo suficiente em altas intensidades.

Potência Normalizada (Pnorm) – Eu honestamente já tentei explicar esse conceito algumas dezenas de vezes, mas nunca me achei bem sucedido... vamos ver se desta vez vai J

A potência que te move pra frente, e garante a velocidade de uma prova, treino, tiro ou passeio é a potência media que é calculada pela media gerada entre os altos e baixos durante o tempo de pedal. Mas alguma coisa parecia muito errada quando eu saia pra andar com um grupo de ciclistas, ou participava das famigeradas provas de circuito, onde a natureza do pedal era a de picos de potência nas subidas ou saídas de curvas e depois aquele “passeio” típico de pelotão. As medias de potência nunca eram nada absurdo, mas eu terminava o treino completamente ESTRAGADO. A referencia que eu gosto de usar é a de um treino de corrida fartlek na esteira (pra ser mais constante). Se eu coloco, sei lá... 12kph na esteira e corro por uma hora eu termino o treino cansadinho mas OK depois de 12km. Agora se mudar o treino e fizer 400m à 11kph com 100m a 16kph eu vou cobrir os mesmos 12km em uma hora mas vou ficar muito mais cansado... porque????

Aí, um americano muito mais maluco e apaixonado do que eu (sem contar, infinitamente mais inteligente), que hoje é um dos papas do treinamento com potência e referencia criou um modelo matemático que calcula o custo fisiológico dessas variações, que no ciclismo existem até mesmo em provas em velódromo.

O Dr. Andrew Coggan através dos seus estudos desenvolveu o conceito de potência normalizada. Enquanto a potência media estipula o quanto você andou num treino ou prova, a potência normalizada estipula o quanto esse treino ou prova drenou de você. E lógico que a partir disso o grande objetivo para nós contra-relogistas e triatletas era fazer com que um ficasse o mais próximo do outro o possível, andando o máximo com o menor “custo”... Aí apareceu outra sigla.

VI – Variability Índex (ou índice de variabilidade). Que nada mais faz do que medir a diferença entre os dois mundos, dividindo a potência normalizada pela potência media.

E pra que isso me serve? É simples, o melhor contra-relogista vai ser sempre aquele que se desgasta menos no processo, por isso essa análise acaba virando um ponto de referencia quando queremos melhorar nossos tempos, quanto mais próximo à 1 esse valor ficar melhor foi o trabalho de equalizar as coisas.

Além desses acima ainda surgiram outras duas siglas:

IF – Intensity Factor (ou Fator de Intensidade)

Nada mais é que um número que indica o percentual referente ao teu FT. Assuma que tua potência no FT é de 100% ou 1 para criar um índice, variam-se dele as potências de VO2 (geralmente acima de 1,05) as de intensidade de prova, como 0,84 para ½ IM, 0,75 para IM, 0,95 para olímpico e por aí vai.

Esse índice foi criado para calcular o acúmulo de stress que um treino ou prova causa no atleta, o TSS

TSS – Training Stress Score

Assume-se que 100 pontos de TSS equivalem a 1 hora na intensidade de 100% do teu FT, e a partir daí obtemos uma pontuação de acúmulo de treinos pra qualquer pedal, seja ele fraco, forte, longo, curto...

É uma medida excelente de se monitorar e uma ferramenta bastante útil desde que você seja só ciclista, controlar isso no universo do treinamento de triathlon é, no mínimo complicado, uma vez que ainda temos que lidar com o acúmulo de outras duas modalidades esportivas. O programa WKO+ (referido no último post) faz um trabalho excelente de calcular o acúmulo de treinos e mostrar quando estamos cansados, descansados, polidos ou destreinados.


Potência 101

Conforme prometido, antecipado e (talvez) aguardado. Seguem algumas idéias sobre treino com potência. Com certeza tenho muito pra escrever e isso não vai caber numa só postagem, e mesmo assim não vou conseguir cobrir tudo sobre o assunto, apenas as partes que eu considero importantes.

Recomendo ler também o post "Potência, torque, velocidade... Força!"

Sobre o medidor de potência.

Pra quem quiser se aprofundar nos modelos, o Max da Kona Bikes colocou um post no blog dele ha um tempo atrás que cobre muito bem os modelos oferecidos no mercado (inclusive os que ainda nem são oferecidos), e alguns acréscimos nos comentários (clique para ler).

Alguns fatores devem ser levados em consideração antes da compra:

- Confiabilidade

- Facilidade / Necessidade de manutenção

- Instalação

- Precisão

Eu treino desde 2003 com o modelo fabricado pela CycleOps (o PowerTap) e em 2005 adquiri novos modelos do mesmo, o que quer dizer que mesmo depois de dois anos eu continuava MUITO feliz com o produto. Na época eram os melhores na relação custo x benefício. Somente os SRM faziam frente em termos de confiabilidade e precisão, mas pecavam nos quesitos manutenção e instalação. E, pra mim a grande diferença vinha do fato de o Power-Tap poder ser usado em diferentes bikes simplesmente trocando-se a roda traseira. A grande desvantagem do sistema passava a ser exatamente essa, a de ter que casar uma roda com o sistema, limitando assim o uso de rodas diferentes pra competição e treinos.


Porque Potência?

Durante alguns anos eu treinei usando freqüência cardíaca, cadência e até mesmo velocidade como referencia, mas foi com o feedback de um powermeter que eu comecei realmente a dosar os estímulos desejados em todos os treinos e evoluir; independente das condições climáticas, acúmulo de cansaço, e outros fatores que eu já vinha percebendo que influenciavam nas outras maneiras de “medida de intensidade”.

Pra mim parecia muito complicado o fato de minha freqüência cardíaca responder de bate pronto num dia em que eu me encontrava descansado e simplesmente estagnar no final de um treino longo independente da força que eu fizesse. Ou o fato de ela disparar num dia de calor mesmo passeando...

O fato é que medidas de freqüência cardíaca nos retornavam um número relativo ao “stress cardiovascular” que pode ser alterado por diversos fatores, e não o que realmente interessava que era o “stress físico ou muscular”. Uma maneira simples de se enxergar isso é pedir pra um sprintista dar 5 tiros de 20s a 90% no final de um treino longo, sem um medidor de potência ele só consegue medir isso subjetivamente uma vez que a FC demora muito mais que isso pra responder.

O treino se tornava muito mais efetivo com um medidor de potência, e muitas vezes, horas eram abreviadas dos treinos para se conseguir um mesmo estímulo. Sem querer entrar muito nos detalhes, uma série padrão de treino de limiar baseado em FC pede algo como: 3x15min com 10min de intervalo na zona 4, enquanto que baseando-se em potência o mesmo estímulo pode ser obtido com 3x12min com 3min de intervalo a 95% do limiar. Porque? Bom, quanto mais condicionado um atleta, mais lenta é a resposta cardiovascular a um estímulo, por isso pra atingir as zonas de FC mais rapidamente, a gente sempre acaba começando mais forte e depois diminuindo pra estabilizar, chegando a trabalhar até 3 faixas de potência distintas e exigindo assim maior tempo de recuperação entre os esforços, e fazendo também com que a adaptação ao estímulo fosse mais lenta. Com o feedback de um medidor de potência isso não acontece. Um exemplo que era gritante aos meus olhos era num treino de CR que eu fazia que levava media de 15min cada tiro, eu só conseguia atingir a zona de FC depois de mais de 9min no tiro, enquanto a potência já estava dentro do estipulado desde o 2o ou 3o minuto.

O treino com um medidor de potência também ajuda a evitar o padrão terrível de “quebrada” nos tiros. É sabido que é muito melhor estímulo terminar um tiro mais forte do que começamos. Consegue-se fazer isso na piscina e na pista de atletismo, mas no ciclismo existe a falsa impressão de que isso é realizado através de velocidades ou de aumento da FC.

Outro fator que não é levado em consideração com os métodos tradicionais são os picos de potência de poucos segundos, que não alteram nem FC nem velocidade mas acabam contribuindo para o “stress” final do treino.

Ferramentas de Análise

Talvez tão importante quanto um medidor de potência é ter uma boa ferramenta de análise – “Potência não é nada sem controle”

Àqueles que se aventuraram com um medidor de potência na bike já devem ter reparado a “loucura” que parece olhar praqueles números. Eles raramente estabilizam no visor por causa da natureza estocástica das forças que agem no ciclismo, vento, relevo, vácuo, atrito, etc.. Por isso a maioria dos medidores de potência vem com algum recurso de “suavização” do indicador de wattagem. Visto que a maioria dos medidores de potência (pelo menos os que se prezam) computam variação de potência pelo menos a cada segundo, da pra imaginar o quanto os números variam.

Como os treinos são realizados em ruas e estradas, não é seguro (nem recomendável) ficar encarando o aparelhinho – ainda lembro ter achado estranho o manual do meu 1o Power-Tap ter escrito em letras garrafais algo do tipo: “CUIDADO: EVITE FICAR OLHANDO PARA O MEDIDOR, PARA SUA SEGURANÇA PRESTE ATENÇÃO NA ESTRADA” Eu mesmo passei por alguns sustos nesse quesito J.

Por isso, a melhor maneira de se educar nos treinos é tendo uma boa ferramenta de análise e aprendizado pós treino, onde podemos verificar gastos desnecessários de potência, como dosamos o esforço durante os tiros ou as subidas.

Praticamente todo medidor no mercado acompanha um software onde os dados são descarregados pós treinos, mas somente UM consegue nos fornecer uma análise precisa sobre os treinos, os estímulos e os progressos (ou não), que infelizmente não acompanha nenhum dos medidores: TrainingPeaks WKO+

Acredito que pelo menos mais uns 3 posts complementarão este, mas para aqueles que querem ir fundo no assunto recomendo o livro “Training and Racing with a Powermeter” publicado pelos maiores cérebros de treinamento com potência que eu tenho conhecimento: Hunter Allen e Andrew Coggan.

Ah... como toda evolução, essa também requer muita dedicação do atleta não só suando, pois estudo e compreensão dos “porquês” são parte do processo (e na minha opinião a melhor parte J)

LODD

Memórias... Muito mais que um número


Durante a vida de todo atleta, com certeza alguns treinos ficam gravados. Uns por simplesmente terem sido completados, como o primeiro 180km, a primeira subida da serra de Campos e por aí vai. Outros pela dureza, como o treino Vinhedo – Poços de Caldas ou o treino com a equipe de Ribeirão em Cristais. E outros ainda pelos momentos mágicos e excelentes companhias, como a subida da serra de Taubaté ou a viagem Pinhal – Campos – Aparecida.

Mas se você for uma pessoa de sorte, tudo isso acontece em um treino só e aí esse dia entra para a lista de dias memoráveis, não só no esporte mas na nossa vida em geral.

Semana passada, após o Long Distance de Caiobá meu amigo e companheiro de equipe Alê Gantus me convidou pra acompanhá-lo num treino de 200km que ele iria fazer em preparação para o IM. Ele vai continuar negando isso, mas no decorrer da conversa, não por meu intermédio, surgiu a idéia de fazer tal treino com um toque extra de crueldade... decidimos terminar o treino subindo a serra de Campos do Jordão, e como idiotice pouca é bobagem, porque não prolongar o sofrimento fazendo a subida indo pelo sul de Minas? (pra quem conhece, entrando para Santo Antônio do Pinhal e fazendo o percurso da copa VO2).

Durante a semana as coisas se ajeitaram, o Marcelinho se ofereceu para fazer a escolta dos dois malucos, entramos no GoogleMaps e vimos que se saíssemos de Atibaia chegaríamos em Campos do Jordão com os aproximados 200km. Pra ser honesto um frio na barriga começou a bater... pelas minhas contas seriam umas 7h de pedal se tudo estivesse a favor (inclusive o vento), e eu tive que revirar meus arquivos de treinos pra lembrar quando foi a última vez que eu tinha passado mais de 6h em cima da bike – Agosto de 2004 foi a data mais próxima, sendo que a ultima vez que eu fiz algo tão insano foi num Sábado em novembro de 2003, um dia antes daquele que seria o dia mais triste da minha vida.

O dia começou cedo, 5h30 da manhã o Ale, e nosso inestimável apoio Marcelinho e Mônica estavam aqui em Vinhedo carregando o carro e prontos pra sair. 6h45 saímos do posto BR na rodovia D. Pedro em Atibaia, onde toda a galera da RM estava se aprontando para o treino longo. Dia maravilhoso, meio friozinho ainda e pegamos a estrada.

Ao passar Nazaré Paulista, no começo da descida da serra de Igaratá uma densa neblina nos pegou e foi assim até o 3o túnel da Carvalho Pinto, aliás... uma coisa impressionante que a gente acabou chamando de “túnel do tempo” pois entramos de um lado com o tempo encoberto por neblina baixa e saírmos do outro lado num céu azul de brigadeiro... IMPRESSIONANTE. E assim fomos, tocando sem problemas até o pé da serra. O visual estava tão lindo que nem o vento chato, contra o tempo todo atrapalhou. O Ale teve dois pneus furados mas com todo o apoio do Marcelinho acabou sendo rápido.

No pé da serra troquei de bike. Coloquei a Kuota no carro e peguei a Madonne, afinal bike de ciclismo pra subir serra é muito mais confortável (se é que existe isso depois de mais de 150km pedalando). Esse é um erro que eu nunca mais pretendo cometer. A troca de grupos musculares foi parcialmente cruel, principalmente com as costas, e durante a 1a subida eu senti a lombar, coisa que raramente me acontece. Estava me sentindo muito bem, e já estávamos perto das 6h de pedal. Acabei abrindo um pouco do Ale na subida, mas parei em Pinhal pra esperar e aproveitei pra comer meu último sanduíche.

Antes de encarar a última subida ainda fizemos uma parada pra tomar uma coca cola (liquido milagroso) e depois eram menos de 20km.

Iniciamos a última subida, meu treino tinha 4km a mais que o do Ale desde o primeiro furo dele que eu tinha aberto um pouco e voltei 2km pra encontrá-lo, e pelas minhas contas ele ia cravar os 200k no topo da serra enquanto eu ia bater “a marca” a 4km do final.

Começou a última subida, e aquela sensação de força que normalmente me acompanha nos treinos de pedal estava se esgotando numa velocidade inacreditável. A coisa com a marca dos 200km, algo que eu jamais pensei que fosse fazer novamente depois de ter perdido meu “irmão” pra esse tipo de insanidade, demorava demais pra chegar... E quanto mais perto, mais duro ficava. A energia vinha e voltava como num dia de temporal, as vezes sentia força brotar do nada e de repente “caia uma fase” e tudo ficava na penumbra.

Malditos 200km que não chegam. O último km demorou uma eternidade pra passar quando finalmente eu vi 200.00 no computador. Parei! Desci da bike enquanto o Ale que parecia ficar mais forte a cada km passou gritando “Deu?”... Deu, vou comer alguma coisa e depois toco até o fim.

Encostei a bike no barranco, tirei um pacote de goiabinha do bolso, peguei minha caramanhola com água e fiquei olhando aquele visual... Muitas lembranças vieram como uma avalanche na minha cabeça, e de repente aquele jato de bem estar. Respirei fundo aproveitando aquele ar que chega a queimar de tão puro e montei na bike de novo.

Cadê minhas pernas???? Devem ter ficado em algum lugar quilômetros a baixo. E o que me empurrou nessa última hora? Com certeza o coração e a alma.

Coloquei a menor marcha que eu tinha, o que ainda era pesado demais àquela altura e terminei sem pressa. 204,19km em pouco mais de 7h20. Alma lavada!

Não tem como agradecer ao trio por esse dia. Marcelinho e Mônica: 8h dentro de um carro??? Não tenho palavras pra descrever a gratidão. Ale, seu animal: Nunca mais me chame pra uma dessas, mas pode contar comigo em qualquer outra, desde que a idéia seja sua J

Valeu demais galera!

Justificando


Impressionante como o ser humano tem uma capacidade maravilhosa de “taxar” e tornar ruim tudo aquilo que ele não é capaz de executar, ou de abdicar. Incrível como tudo aquilo que parece “diferente” de repente ganha uma conotação ruim aos olhos dos que não compartilham do mesmo modo de vida.

Com certeza muito atleta passa como maluco, até mesmo vagabundo aos olhos daqueles amigos ou parentes que por algum motivo parecem não aceitar nossa opção de vida. Até aí tudo bem, vamos concordar que muitas vezes, nós atletas, somos “um pouco” exagerados, mas porque isso parece incomodar tanto? Afinal de contas é como se nossos treinos e competições deixassem as pernas deles doendo, ou como se quanto mais saudáveis e rápidos nós ficamos, mais sedentários e doentes eles ficam.

Com certeza existe alguma coisa na natureza humana que é incapaz de aceitar o fato de que alguns realmente vão atrás daquilo que querem, que mudem e moldem as coisas ao seu redor para que seus objetivos e metas sejam alcançados – e não, eu não estou me referindo somente aos grandes atletas e grandes campeões, ao contrário, a grande maioria dessa “diferença” acaba acontecendo com aqueles que simplesmente estão lá por prazer.

O incrível é que quanto mais eu vivencio e presencio esse tipo de coisa, mais eu acho que eles não fazem por mal.

Você chega em casa acabado de um treino de sei lá, 120km de bike, e recebe o telefonema de um amigo (não relacionado a sua vida esportiva) convidando para uma festa ou uma balada. Relutante você aceita ir, mas adverte que está cansado por causa do treino recém concluído e que no dia seguinte vai ter que acordar cedo para correr 15km e nadar.

Pronto, na hora a atitude desse amigo muda e ele passa a julgá-lo como se fosse Deus, dizendo que você é louco, que nada disso faz sentido... as vezes vai fundo e coloca dedo em feridas inexistentes como família, pais, namorada(o), marido/mulher e filhos... e por aí vai.

Em princípio você se sente acuado, “P” da vida porque afinal de contas você faz tudo isso porque gosta não rouba nem lesa ninguém no processo e esse é o seu jeito de curtir a vida. Quanto à ferida, mesmo inexistente ele te faz sentir culpado. Você olha pra sua mulher, namorada, filhos, pais... e se pergunta se ele tem razão... Aí, no meu caso:

“Se eu tivesse continuado na minha vida pré-esporte, fumante e pesando 130kilos provavelmente eu passaria mais tempo de ressaca, doente, estressado e na cama (ou de cama) do que eu passo treinando, portanto foi uma troca muito boa, não só em termos de quantidade como de qualidade.”

Mesmo com todo esse dilema, você vai pra festa/balada com a galera porque afinal de contas você preza as outras coisas da vida e sabe no fundo que aquele amigo não faz essas coisas por mal. Aí você já chega no lugar, antes que todo mundo (porque esse negócio de vida de atleta é assim a gente vai espremendo tempo pra conseguir colocar tudo num dia de 24h) e morrendo de fome, porque teu metabolismo é algo que nenhum desses seus amigos vão conseguir compreender e você ainda tem que dar nutrientes pro teu corpo se recuperar dos 120k de bike e se preparar pros 15k de corrida. Ainda assim, mesmo com todo esse esforço agüenta gozação de tudo que é tipo.

Quando você já está de saco cheio de ouvir de futebol, política e religião... e pronto pra jogar a toalha enquanto todos estão ficando “altos”, se divertindo com coisas que pra você não fazem o menor sentido (porque você é provavelmente o único sóbrio a essa altura do campeonato) o inesperado acontece...

-Vem cá que eu preciso te apresentar esse cara – você ouve...

E vem um dos seus amigos trazendo uma pessoa que você nunca viu na vida dizendo:

-Esse meu amigo é triatleta, corre maratona, Ironman (e o ápice pra qualquer um que não conhece nada sobre o esporte) e já correu a São Silvestre... pior de tudo – continua ele – ele bebia, fumava e era obeso!

-Correu a São Silvestre!!!! Nossa...

De repente a balada começou a ficar interessante novamente e juntam uns 2-3 curiosos pra ouvir e perguntar sobre treinos... Você conta no máximo uns 50% de tudo que faz e logo vem aquela “Nossa... você é profissional, não?” E aí o grande momento antes de você deixar o recinto e ir pra sua cama que já não agüenta mais de saudade: “Não, não sou profissional e pra falar a verdade nem sou bom o suficiente pra justificar tudo isso... mas faço isso porque gosto, porque é parte da minha vida, e porque não consigo me ver sem... É minha cachaça!”

Aí eu chego em casa me sentindo a melhor das pessoas, e é disso que eu lembro e comemoro cada dia de treino e cada prova completada, sendo ela boa ou ruim!

Feeling, demora e mais perseguição


Dez dias não pareciam tempo suficiente para separar as duas...

As diferenças das necessidades físicas entre uma prova de pouco menos de 5 minutos e uma de pouco menos de 5 horas são enormes, mas talvez os requerimentos psicológicos entre as duas sejam ainda maiores. Eu nunca fui mestre em recuperar o foco rápido após atingir um objetivo. Desta vez pareceu ainda mais distante já que as coisas demoraram mais que o normal para ser assimiladas (se é que foram). Mas com certeza eu fiz o meu melhor nesses poucos dias que separaram o brasileiro de pista do Long Distance de Caiobá.

Embora o local da prova seja um paraíso para a prática do triathlon, a prova em Caiobá está longe de ser “minha” cara, uma vez que o pedal tem pelo menos 6km a menos do que “deveria”, é rápido, e a fiscalização quanto ao vácuo é, no mínimo, muito falha. Mas como nada disso diz respeito direto a minha performance eu sempre vou pra lá com boas expectativas, e desta vez não foi diferente. Sempre foi uma prova muito cruel comigo, e na briga LODD x Caiobá eu vinha perdendo de goleada.

Alguns eventos marcaram a semana mas nada tão fundamental quanto a minha decisão de cortar pela primeira vez o meu “cordão umbilical” com a bike – no começo da semana decidi que correria a prova com roda disco, deixando assim de ter as informações até então vitais fornecidas pelo meu Power-tap. E pra radicalizar de vez, abri mão de qualquer “meter” na bike, nada de cateye, cadência, polar ou GPS. Há 10 dias atrás eu tinha sido quase-perfeito numa prova em que não é permitido o uso de nenhum desses dispositivos, e o “feeling” foi a única informação que eu pude ter. Assim sendo, no domingo coloquei minha bike na transição equipada com rodas, pedais, freios e “feeling” J

Alinhado na praia olhando para as bóias, a única sensação que eu tinha era de “demora”. O quanto ia demorar para dar uma volta e o pior.... eram duas!!! Foi uma natação no mínimo esquisita. Eu tive umas sensações de estômago embrulhado e até me senti meio “mareado” na primeira volta (que meus companheiros de mergulho não leiam isso), saí da água com uma vontade enorme de não partir pra segunda volta, era questão de cabeça e de novo “demora”. Mesmo assim acabou sendo uma natação muito boa, saindo perto de gente que costuma sair bastante na minha frente...

Pra bike e pro feeling... Estranho é como as coisas sempre ficam menos “cinzas” na bike. Mesmo com tempo chuvoso e pista “segurando” mais que o normal, sentia que estava bem, forte e controlado. E com menos de 20km (acho eu) a perseguição começou. Foram mais de 60km perseguindo o TTT da ponta e fugindo do segundo pelotão, sem ninguém junto e mais uma vez “demora”. Fechei a primeira volta e fiz força pra me convencer a passar por tudo aquilo de novo. A experiência positiva do pedal foi ver que o tal do “feeling” funciona até mesmo para distancias um “pouco” maiores, pelo meu relógio passei a segunda volta um minuto mais rápido que a primeira.

Fomos eu e o “feeling” pra corrida. Nessa modalidade ele não costuma funcionar direito, da uns tilts de vez em quando mas eu continuo levando fé que um dia vou conseguir calibrá-lo J. Peguei umas parciais de km durante a primeira volta e vi que estava bem mais rápido do que eu tinha imaginado... ah, lá se vai o “feeling” de novo. Fechei a primeira volta pouco mais de um minuto abaixo do planejado. Fomos bater de frente com a “demora” de novo. E desta vez foi mais implacável – a segunda volta foi um martírio, deu de tudo: câimbra, dor de barriga, vontade de ir no banheiro, mal estar... puts, foi uma eternidade, e no final da segunda volta o plano já tinha ido pro espaço. Felizmente consegui ganhar um pouco de foco na última volta e manter o ritmo planejado.

No final foi uma boa prova, baixei meu tempo do ano passado em TODAS as pernas da prova e fiquei fora do pódio por “detalhes”J. Mas o principal foi todo o aprendizado nessas últimas TRÊS semanas.

Parabéns a todos os companheiros de equipe que competiram e fizeram resultados excepcionais: Sebá, Alê, Silvinha, Tá, Aninha, Hely, Dú, Dani, Xapô, João, Geyson, Jú e Gina.

* O Célio anunciou uma prova em setembro nas distancias de 3km swim, 150km bike e 28km run. Espero que até lá eu já tenha feito as pazes com a “demora”, calibrado o “feeling” e não tenha que ficar “perseguindo” ninguém J

Fotos do Rio

Força para 5 minutos! Doeu quase nada ;-)


Pódio... Qualquer dor valeu a pena!


Velódromo do Pan...


É de impressionar!

Perseguindo...


"Porque as crianças gostam dos atletas? Porque eles perseguem os sonhos" - Amor sem escalas

O objetivo era baixar dos 5min nos 4km da prova de perseguição individual... Em princípio não parecia muito difícil, uma vez que eram só 11 segundos a menos do que eu fiz no Paulista em Americana, e desta vez além de estar fazendo alguns treinos específicos, a prova ia se dar num velódromo mais rápido, com piso de madeira e fechado... Mas não podia ser tão simples assim, afinal de contas os 4’59”999 são uma marca que todo mundo busca mas poucos conseguem – só pra ter uma idéia, no último campeonato brasileiro, com a elite do ciclismo de pista nacional somente 4 conseguiram tal feito.

Mas eu, em toda minha empolgação fui para a cidade maravilhosa com a convicção que conseguiria tal marca, mesmo tendo consciência que esses poucos segundos a menos representavam quase 2kph a mais no geral (e nessas velocidades, qualquer meio kph a mais representa um aumento absurdo de potência). E o que piorava ainda as coisas é que esse aumento de velocidade é ainda maior pois temos que levar em consideração que o começo da prova é sempre igual, partindo parado, portanto as primeiras centenas de metros acabam sendo igualmente lentos.

Quarta-feira chegamos no Rio na parte da tarde, depois de alguns percalços e fazermos um “tour” não programado pela cidade maravilhosa no meio de um transito digno de São Paulo. Mas mesmo assim chegamos com tempo de sobra para andarmos no velódromo (as maravilhas de um velódromo fechado e iluminado... saímos de lá mais de 9h da noite J).

A minha primeira reação deve ter sido igual à dos meus filhos quando foram para a Disneilândia. Estava maravilhado... aquilo era monumental, muito mais do que eu imaginava... imponente. Uma estrutura digna de jogos. Corremos para o nosso box localizado na parte de baixo das arquibancadas, descarregamos toda a tralha, pulei na primeira roupa de ciclismo que eu encontrei na mala (e como demorou pra achar), peguei a magrela e fui pra pista.

Assustei. Era muito mais “violento” do que eu imaginava. Era muito rápido. Não em termos de velocidade, quer dizer era mais rápido em termos de velocidade também, mas pelo fato dele ser mais curto (250m contra os 333m de Americana), com as curvas mais fechadas e as paredes mais íngremes (nossa... como elas eram íngremes) a sensação de velocidade com as forças querendo jogar você pra cima toda hora era de impressionar. Rodei por mais de 1h direto, fiz uns estímulos curtos de velocidade de prova, testei algumas relações e saí de lá assustado!

Minha vontade era a de ter treinado lá mais vezes, queria ter feito alguns “tiros” em ritmo de prova. Estava ficando apavorado... a impressão que eu fiquei era que não ia conseguir segurar a bike na linha e ia perder muita velocidade com isso.

Naquela noite durante o jantar, os outros ciclistas da equipe conseguiram me dar uma tranqüilizada. O Leandro tinha passado 20 dias lá treinando com a seleção antes dos jogos Sul-americanos e disse que tinha a mesma impressão, mas que na hora “h” tudo ia se normalizar. Será?

Quinta-feira, 1o de abril - dia da prova. De maneira impressionante consegui dormir muito bem, e muito. Acordei eram quase 10h da manhã e fui tomar café com a equipe. Ficamos batendo papo com os outros(as) atletas que estavam todos hospedados no mesmo hotel e voltei pro quarto pra esperar pro almoço. As provas estavam marcadas para começar a partir das 14h30min e a gente teria pista liberada a partir das 13h30min. Tinha umas 2h de “nada” antes de almoçar e tocar pro velódromo. Deitei na cama, comecei pensar na estratégia de prova e cochilei de novo.

Chegamos no velódromo no horário previsto, afinal de contas nosso hotel ficava a menos de 1km do portão principal do velódromo (vale colocar aqui que estávamos hospedados de frente pro Maria Lenk e pro HSBC Arena - fico imaginando estar hospedado ali na Rio 2016). Pegamos as bikes no nosso box, fizemos alguns acertos, e fomos pra pista. Eu mais do que depressa saí pra rodar – ainda queria me acostumar com aquela sensação. Pista fechada e a cabeça mais no lugar... as pernas que ainda não estavam lá essas coisas, mas tinha muito tempo até minha prova, mais do que suficiente pra fazer “aquele” aquecimento e ficar 100%.

Assisti a tomada de tempo dos 200m e a prova de scratch. Então fui para o vestiário, coloquei minha roupa de competição, peguei o iPod com o playlist “kill time” bombei o som nos ouvidos e fui pro rolo aquecer enquanto rolava a prova de kilometro. Entrei no meu mundo e aqueci por quase 1h no rolo.

Mais uma vez minha bateria era uma das primeiras (eles deixam os melhores para o final). Terminei o aquecimento, passei a bike pela aferição e em pouco mais de 10 min largaria. Sentei na beira da pista esperando minha vez e troquei as últimas palavras com o Estevão. Dicas dele: “Lembra de dosar o começo” a gente tinha combinado passagens para as primeiras voltas pro ritmo de 5min, e “Não errar é mais importante do que andar muito forte” uma vez que a pista jogava pra fora e qualquer curva muito fora da faixa é tempo perdido.

Coloquei a bike no gate pneumático, montei e esperei aquilo que pareceu uma eternidade até o comissário dar o ok pro juiz dar a largada. Diferente do paulista em Americana, dessa vez minha boca não secou na hora da largada mesmo com o calor absurdo que fazia naquele velódromo. O fato de largar de um gate automático também não me preocupava mais àquela altura. Eu tava focado nas linhas, nas 32 curvas e nas 515 rotações de pedal que eu teria pela frente. Era concentração, foco e perfeição por “apenas” 5min.

5, 4, 3, 2, 1... Larguei...

Diferentemente do paulista onde minha visão afunilou nas faixas, dessa vez eu tinha um panorama de tudo, e vi que na primeira volta, meu oponente tirou mais de 100m. Um breve momento de pânico tomou conta de mim, mas logo mandei pro espaço e mantive minha estratégia.

O Estevão estava na beira da pista, de “técnico” gritando as passagens, mas dessa vez como no paulista eu também não ouvia nada. Só podia ver pela cara dele que eu estava bem. Tentei uma vez olhar no placar eletrônico em vão, nem o placar eu achei que dirá os números. Foco e força!

Com 2km quem aparece na minha frente? O outro atleta que tinha quase tirado meia volta em uma. Com 2,5km passei e ele aproveitou pra vir na minha roda – a essa altura isso só importa para os outros que iriam disputar posição com ele, pois eu já tinha colocado pelo menos 18 segundos nele.

Mantive forte, e nos 500m finais ainda dei uma última “paulada”.

4’57”289

Agora os outros que corram atrás... eles foram, e como em Americana no paulista eu fiquei um tempão lá em primeiro. Tinha sido um tempo fantástico uma vez que todos estavam mais lentos que o ano passado (provavelmente por causa das condições climáticas, muito quente e abafado... sei lá) pelos tempos que tínhamos visto na prova de kilômetro.

Nas últimas baterias começaram os grandes nomes, e ha 3 baterias para o final o Wolverine (3o no paulista de Americana) baixou o meu tempo em 0,016s marcando 4’57”273 L Pelas minhas contas, ainda tinham 3 atletas mais fortes que eu para entrar que certamente baixariam meu tempo e já pintava um excelente top 5!

Penúltima bateria entrou Tiago Nardim (vice campeão brasileiro de 2009) juntamente com o Latino (4o colocado em 2009 e também sub 5min ano passado), e nenhum dos dois baixou de 5min!!! J Mas por fim veio o Piá (campeão de 2009) e fez um excelente tempo: 4’53”334 sozinho na pista, pois aparentemente o outro atleta que ia largar com ele não apareceu.

Resultado final: Piá bi-campeão, Wolverine vice e “eu” medalha de bronze... Ainda não caiu a ficha. Sei que ainda dá pra melhorar bastante, principalmente nos quesitos técnicos da prova como largada e “pilotagem” na pista curta, sem contar no meu eterno motivo de discussão com os ciclistas de pista que é minha relação monstruosamente pesada para os padrões da categoria J

Agora é focar de novo que semana que vem tem o Long Distance de Caiobá junto com outras “aventuras”. O que vai acontecer nesta próxima prova eu não sei, mas com certeza os primeiros 4km do pedal tem grandes chances de serem RÁPIDOS J

LODD