Sob Pressão


O ar que respiramos é constituído de aproximadamente 79% de nitrogênio e 21% de oxigênio. O nitrogênio a nível do mar responde por uma pressão parcial de 0,79 ata (atmosferas absolutas) o que para nós não representa nenhum perigo. Acontece que se essa pressão parcial se aproximar de 4 ata’s o gás inerte se torna narcótico. Isso mesmo, como a maioria dos mergulhadores sabem, mergulhos com ar comprimido abaixo dos 40m de profundidade pode dar “o maior barato”, literalmente.

Isso pode parecer engraçado principalmente quando a gente ouve histórias de mergulhadores conversando com peixes, cantando e fazendo besteiras e mais besteiras como se estivessem “bêbados” em baixo d’água. Mas quando analisamos os acidentes decorrentes desse efeito vemos o quanto perigoso isso se torna, ainda mais quando a narcose é agravada por fatores externos – Eu costumava usar o seguinte exemplo para os meus alunos: imagina que você saiu e bebeu uma meia dúzia de cervejas, pegou o carro num dia lindo numa estrada sem movimento e voltou pra casa, com certeza você chega em casa são e salvo e acha que a recomendação do DETRAN é muito exagerada, que 6 copos de cerveja não fazem a menor diferença nos seus reflexos. Agora, beba a mesma quantidade e pegue uma estrada como a via Dutra, a noite, com chuva e neblina... as chances de você chegar inteiro no destino com certeza vão cair drasticamente.

E o mesmo acontecia no mergulho, em Fernando de Noronha ou no Caribe a gente mergulhava a mais de 50m de profundidade respirando ar comprimido e nada acontecia, não sentíamos nenhum efeito da narcose – claro, água quente e transparente, as coisas ficavam muito mais fáceis. Em compensação em mergulho no mar do Rio de Janeiro, na Ilha Rasa, água fria, escura e com correnteza eu já tive alunos com sintomas de narcose ainda nos 30m de profundidade, onde o efeito da pp de N2 ainda não é um fator.

Uma das grandes lições que eu aprendi na minha vida de mergulhador vêm daqui: fatores externos potencializam os erros. E domingo passado eu trouxe isso para o triatlo.

Pirassununga acabou se transformando em uma das provas mais importantes do ano para mim, o que não era o plano original. Mas durante a parte final da preparação vários fatores acabaram se intrometendo nos planos, culminando com uma semana pré prova a base de remédios e descanso forçado... mas isso não é pra virar um muro de lamentações e sim de aprendizado.

Já na primeira bóia da natação eu senti que não ia ser o dia, falta de fôlego e de força nos braços, câimbras nas pernas àquela altura já apontavam para um dia ruim. Mas foi na bike que o bicho pegou. O momento da prova em que normalmente nada foge do meu controle estava completamente descontrolado. Durante toda a primeira volta tinha vontade de me olhar de fora para ver se era realmente eu mesmo em cima da bike. A potência que eu facilmente mantinha em treinos não aparecia de jeito nenhum no Power-tap. Nada colaborava, e aquela “margem de segurança” já tinha ido embora fazia tempo.

Nessas horas a gente começa a reparar em coisas que normalmente passam desapercebidas quando esta tudo bem. Sabia que não ia chegar nem perto da potência de prova, mas depois de um tempo sabia que eu poderia usar o cérebro para minimizar o prejuízo. Foi assim que a partir da segunda volta ganhei mais de 1kph de media com 15w a menos de potência...

Lições de Pirassununga:

Como eu digo para o pessoal que treina comigo, Pirassununga é um percurso rápido, que você não para de pedalar um minuto e quase não sai da posição aero, mas não é plano. Por isso, cabeça e 20 marchas na bicicleta podem fazer uma grande diferença.

Subida da igrejinha: Num dia normal de brutalidade pura eu passo lá de volantão desperdiçando toda a ignorância que eu possuo dentro de mim. Mas neste último final de semana senti na pele que deixar o Ego de lado traz grande benefícios – volantinho sempre!

Chicane do Célio: Se você vem em linha reta, sentado no selim e segurando no guidão (não clipado) somente com o giro do pedal e balanço da bike dá pra passar lá sem encostar nos freios, o que acaba poupando bastante energia principalmente para aqueles que precisam acelerar pra não perder a “carona” J

Cadência: Eu sou um cara que gosta de carregar uma marcha pesada, tenho meus motivos pra acreditar que pra mim essa é maneira mais efetiva de se pedalar em CRI e principalmente em triatlo, mas sempre acreditei que treinar e estar confortável em qualquer que seja a cadência é uma carta extra na manga. Domingo tive certeza que isso é uma verdade, eu passei os 90km procurando uma cadência confortável sem encontrar, e acabou que isso foi o que me fez andar, o fato de poder ficar alternando entre alta e baixa rotação confortavelmente foi critico para minha sobrevivência na prova.

Embalo e câmbio: toda subidinha em Pirassununga é precedida por uma descida ou um trecho em que estamos embalados, o grande lance então, é a capacidade de manter a inércia da bike. Lembrar que clipado numa bike de CR o centro de gravidade fica muito alterado, e as vezes só o fato de sentar um pouco mais pra trás no selim e compensar segurando um pouco mais pra trás no clipe pode alterar bastante esses centro de gravidade e ajudar a manter o momento. E lógico, trocar de marcha sempre. São 90km onde a gente só tem que se preocupar em comer, beber e trocar de marcha!

Sobre a prova, foi um dia de muito sofrimento e uma guerra interna que eu nunca tinha travado antes. Estava um dia quase perfeito na AFA mas que infelizmente o corpo não colaborou nem um pouco. Paciência.

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Só aproveitando pra tirar o chapéu para algumas performances impressionantes: A incansável Vanessinha Giannini, 10a no mundial de 70.3 e vitória em Pirassununga em uma semana. Sebá meu brother, você não sabe brincar. Ale Gantus, que prova e que cabeça, parabéns mais uma vez, agora é tocar pro IM.

E finalmente Júju, que depois de parar a prova devido a um baita acidente de bike onde o garfo quebrou num dos “tachões” correu 10km do meu lado, toda enfaixada fazendo eu encontrar energia que eu nunca achei que tivesse. MUITO OBRIGADO!

5 comentários:

cfportugal disse...

A maior lição que tirei de pirassununga foi, não preciso gastar U$2.000,00 pra ir até clearwater, pirassununga é logo aqui. Andei em pace 60% do tempo dentro da regra de 7 metros = vácuo, outros 20% vácuo mesmo, até pela quantidade de pessoas e 20% peito pro vento. Como disse no outro tema, não sou hipócrita. Prova bacana, organização pra variar mediucre, oq é uma pena, já que é uma das provas com circuito mais legal de todo calendário. Parabéns Lodd, vi que tinha sofrido, vi que estava bem judiado, sinceramente não gosto quando fica assim, pois prefiro ver as pessoas que gosto bem, vc e o Eng estavam bem pra baixo, isso realmente é chato, não adianta, somos amadores, melhor levar a coisa mais na diversão, do que na competição, eu mesmo, caí no chão na saída da corrida, com dores nas costas, graças a cama que durmi, tomei 3 advils, respirei e voltei andando pra prova, no fim tava sem dor, sorrindo e fazendo minhas brincadeiras de sempre, acho que essa é minha pegada. Aos nossos amigos fantástico, não conheço a juju, mas vi correndo ao seu lado enfaixada e só havia ouvido alguem comentar sobre essa queda, mas não sabia quem era, parabéns, parabéns mesmo pela força de vontade, prova de longa distância é mais ou menos isso mesmo, o principal é terminar, o resto é detalhe.

Braça.
Chris Portugal

Sebastian disse...

Lodd, sua análise do circuito de bike é muito precisa, como sempre vc matou a pau nesse tema.
Sobre a prova: nós vimos o perrengue que foi a semana pré-prova, foda ter ficado doente justo alguns dias antes... Força e vamos pra próxima!
abraço,
Sebá

Leng disse...

Apesar de ter saído desta prova com um sentimento de sofrimento na corrida que eu nunca tinha sentido antes em prova alguma, to conseguindo levar isto para o lado bom.
Eu consegui me recompor e terminar a prova, vou tentar guardar este sentimento ate maio/2010, no IM passamos por isso diversas vezes.

Sobre o que voce falou sobre o percurso de bike eu sai com um sentimento um pouco diferente dos outros anos, na primeira vez que fiz pirassununga, sai de la achando que aquele percurso era o melhor percurso do triathlon que ja tinha visto. Asfalto liso, lugar seguro...

Dessa vez a coisa foi outra... vi onibus circulando, carros, e o asfalto tava uma porcaria !!!. Antes da subida da igrejinha estava muito perigoso, vi muita areia na pista !!!! E as lombadas entao ??? eu consegui me livrar delas pulando com as duas rodas ( utilizando minhas técnicas aprendidas com a minha Caloi-cross 25 anos atras kkk ).

Sinceramente ... esta prova perdeu um pouco do apelo que ela tinha para mim de ser um dos melhores 1/2IM's do Brasil...

Anônimo disse...

Ótimo post!
Obrigado pelo comentário! Apesar de não ter corrido como gostaria, no geral foi uma boa prova!
E parabéns para você por ter superado tudo isso e continuado a prova até o final. Muita gente teria parado!
Como eu sempre digo: treinar ou competir quando a gente tá bem é fácil, mas quando a gente tá mal aí sim é cabeça!
Abraço,
Ale Gantus

Max disse...

Ôrra meu....15 watts a menos, e 1km a mais na média...levanta as mãos para o céu e agredeçe por esse dia. Com essa descoberta, o dia que vc.estiver BOM, vai andar melhor ainda. Como dizia Mae West, "when I´m good, I´m very good; when I´m bad, I´m better".

ab.

Max