Que vergonha Sr. Armstrong!
Lances do Tour
Embora tenha sido a volta “oficial” de Lance Armstrong ao Tour de France, 4 anos após a últimas das suas 7 vitórias consecutivas, definitivamente não se trata mais dele. Lógico, todos vão dizer (como já ouvi muitas vezes) “o cara ficou 4 anos sem competir, voltou e ficou em 3o no geral, não ta bom?”
PaCE(iência) - 2a parte
Infelizmente para nós triatletas ou contra-relogistas, a história das caixas de fósforos não acaba no pelotão, ela é parte essencial de um bom pace em um contra relógio.
Recentemente em troca de e-mails com o Luiz Eng, ele me apresentou um novo conceito de medida de intensidade, o qual ele disse estar usando com bastante sucesso para dosar os treinos fazendo com que ele terminasse o treino negativando em potência (ele, como eu também treina com ajuda de um medidor de potência). O conceito que ele batizou de “limiar de queimação” pareceu meio coisa de doido no começo, mas depois de pensar um pouco, se transformou em uma idéia genial, e fez bastante sentido.
Ele disse que durante a 1a metade dos treinos ele fazia força nas subidas até a perna começar a sentir aquela “pré queimação” característica de quando a gente está fazendo força suficiente pra começar a acumular fadiga. E que depois de um tempo ele estava passando as subidas muito mais controlado e sem extrapolar seus limiares de potência, e com isso ele estava conseguindo voltar com maior potência que na ida, terminando o treino bem mais forte e saindo pra correr mais inteiro.
Como bons contra-relogistas, nós triatletas provavelmente temos uma caixa de fósforos extremamente limitada (se este não é seu caso, acredite: você está no esporte errado J) e o começo de treinos e provas se mostra crucial para controlarmos as pernas e guardarmos nossas energias, pois diferentemente dos ciclistas de pelotão a “queima” dessa energia extra não vai trazer nenhum benefício, visto que andar no pelotão (em teoria) não é permitido.
Colocando de maneira bem simples, no começo de um treino ou prova, a sensação de “pernas novas” pode mascarar o abuso de força, fazendo com que o atleta “queime seus fósforos” sem perceber. Se isso for bem controlado no começo, depois de um tempo torna-se muito mais difícil de passar dos limites, pelo fato das pernas já estarem com uma sobrecarga e aquela explosão de energia não acontecer mais tão facilmente. Simples então, a chave pro sucesso é começar devagar e ir apertando?
Mais ou menos. Para o triathlon sem vácuo isso é uma verdade, mas para provas de contra-relógio ainda existe a questão de saber como lidar com a aceleração inicial saindo da rampa de largada, porque no final ninguém quer saber se seu padrão de potência foi bem distribuído, mas sim qual o tempo que você completou o percurso, e levando em conta que provas de contra-relógio são decididas por míseros segundos, a aceleração inicial torna-se uma parte critica da prova, que como todo o resto deve ser treinada.
E numa prova com vácuo liberado? Bom, aí o começo forte pode ser uma questão de sobrevivência, e talvez o atleta precise de mais explosão inicial do que numa prova de CRI, mas algumas diferenças devem ser levadas em consideração: num CRI o atleta aquece muito (mais de uma hora na maioria das vezes) e em sua própria bicicleta, terminando não mais do que 10min antes da largada estando portanto pronto pra sair girando as pernas forte; enquanto num triathlon, na maioria das vezes, na saída pro pedal o sangue ainda está concentrado nos braços, e sair dando tiro da T1 pode acabar com a prova até mesmo do ciclista mais forte. A dica nesta situação é de colocar uma marcha “pesada” assim que calçar as sapatilhas até a hora que estiver encaixado no pelotão, e a partir daí girar mais as pernas pra que o sangue comece fluir normalmente. Pedalar pesado nesse caso faz com que a necessidade de sangue para as pernas não seja tão grande e que aos poucos a irrigação vá melhorando – Quem quiser pode fazer um teste simples de subida usando alta e baixa rotação para a mesma velocidade e através de um monitor cardíaco constatar que a alta cadência faz sua FC subir mais – Mas esta lógica só vale se o esforço for curto e que a recuperação aconteça, caso contrario a prova pode acabar na T2 L.
Algumas dicas em cima de erros que eu já cometi nos percursos mais conhecidos do triathlon:
Internacional de Santos: como todo percurso de vai e volta, controle na ida é fundamental, não tem curvas, nem subidas para diminuição de velocidade e mudança de posição em cima da bike ficando portanto muito mais fácil de extrapolar na ida e depois “culpar” o vento pela volta mais lenta J
Troféu Brasil Santos: A chave pra esse percurso depois de não se matar na avenida da praia é usar cérebro para lidar com as curvas fechadas do percurso, ninguém precisa fazer as curvas no volantão, e por falar em curvas, treinar curvas fechadas é um excelente ganho de tempo para esse percurso!
USP: Blah... esse percurso é duro. Eu particularmente adoro (a parte técnica, não os buracos, lombadas e treme-treme) tem de tudo, parte rápida, parte lenta, parte dura, e por aí vai. Acelerações bem dosadas e curvas bem feitas são a chave pra esse percurso, uma bike não muito agressiva também ajuda e muito na parte interna da cidade universitária, se pudesse eu trocaria de bike no portão de entrada... Onde eu vejo maior potencial pra erro de pacing são nas subidas, que são um pouco duras, curtas e em nenhuma delas a gente vem embalado o suficiente pra só “passar”. Esse é um percurso em que as 20 marchas da bike fazem valer o investimento!
Caiobá: Esse é falsamente fácil. Plano e todo mundo tem a impressão que dá pra decolar... Toda vez que tive essa impressão lá me dei muito mal! Nunca peguei aquele circuito com vento (embora o pessoal de lá diz que venta bastante) mas sempre ouvi comentários do tipo “nossa, como ventou na última volta” – eu mesmo já pensei isso e, sinto muito, mas esse comentário deveria ser “nossa, como eu fiz força de mais na 1a volta”. Quer uma boa dica pra essa prova? Se em algum momento da prova você achar que o pneu ta mucho ou o vento aumentou subitamente... você já era!
Ubatuba Long: Pérola dos percursos de ciclismo no triathlon brasileiro, as subidas longas tornam esse percurso um dos mais difíceis de se dosar as energias corretamente. Mesmo com a ajuda de um medidor de potência eu já falhei miseravelmente várias vezes. Embora as subidas mais duras estejam na ida, os 11km antes do Félix na volta são na minha opinião o divisor de águas da prova, é quase tudo de ganho de altitude com pequenas quebras, nada muito inclinado, mas é muito tempo de potência constante, sem alivio significativo. Quem chega ali com as pernas “razoáveis” fez um excelente trabalho e está próximo de uma prova perfeita (no pedal, claro J).
Pirassununga: Rápido! Mas sempre começa a ventar da metade pro final?!?! Ou será que a gente começa a cansar mais a partir daí e qualquer vento se torna um furacão? Pirassununga está longe de ser um circuito plano, mas é um circuito que embala MUITO, os constantes “sobe e desce” fazem com que as velocidades medias sejam altas. Qual o segredo lá? PASSEAR na primeira volta, e a partir daí trabalhar as subidas ao nosso favor – eu gosto da expressão “aplanar a subida” ou seja fazer com que ela não exista do ponto de vista de variação de força (cuidado: isso não funciona em Ubatuba!). Pela característica do terreno a gente sempre vem embalado antes de uma subida, a idéia é entrar na subida mantendo a pressão nos pedais, e trocando de marcha – para a maioria dos atletas só isso basta para passar 90% delas – mas se ela não acabar antes das marchas, deixe pra fazer aquela força “extra” perto do topo e mantenha até a bike embalar na próxima descida novamente, em termos de velocidade media isso é muito mais eficiente que subir fazendo força e assim que chegar no topo parar de pedalar e “esperar” a gravidade agir!
Como o Sebá bem disse uma vez, isso tudo acaba se tornando muito mais uma questão de confiança do que outra coisa, por isso que alguns dos treinos tem que refletir o que você pretende fazer na prova, pra ver se realmente funciona. Se funcionar, USE no dia da prova. Não é porque alguém passou voando na saída da T1 que você tem que mudar a estratégia!
E no Ironman?!?!?! J
Burning Matches
Semana passada estive competido ciclismo nos jogos regionais. Já fazia mais de dois anos que eu não me metia numa prova de circuito, e honestamente deveria ter ficado de fora mais alguns anos J - Tinha me esquecido como é duro esse tipo de prova e de como eu definitivamente não nasci pra isso. Vira, arranca, diminui, arranca, breca, vira, arranca... por 40 voltas de 1km... blah... eu tava morto a partir da quinta e tive que me segurar por mais de 30 voltas pra não sobrar do pelote nas inúmeras arrancadas. Mas acabou sendo um excelente treino J
Eu me considero um bom contra-relogista, não um bom ciclista e talvez por isso não me dê bem em provas com circuito curto, nem de montanhas. Lógico que ter ficado de fora por tanto tempo acaba afetando a parte técnica (curvas erradas, mau posicionamento no pelotão e até mesmo erro de mudança de marcha), mas afinal de contas, qual a diferença? Porque na etapa de montanha desta última sexta-feira vimos o Expresso Cancellara ser largado pra trás como um simples mortal sendo que a imagem dele entrando no Alp d’Huez puxando o pelotão a mais de 40kph e despedaçando as esperanças de muitos no Tour do ano passado ainda estava viva em nossa mente?
A resposta está longe de ser simples, mas posso tentar colocar da seguinte maneira: Um bom contra-relogista não nasce pronto, ele é resultado de muito trabalho, treinos, dedicação, sofrimento e conhecimento. Enquanto um bom ciclista é o resultado de tudo isso aliado a uma boa escolha de pai e mãe, e no caso de uma prova como o Tour de France, a escolha dos avós também é importante J
Variação e quebra de ritmo. Essa é a chave pra se largar um cavalo como Fabian Cancellara ou Gustav Larson pra trás numa etapa de montanhas. Estes ciclistas, especialistas em contra-relógio são máquinas de despejar potência moderadamente alta por muito tempo sem cansar ou “quebrar”, mas é só fazer eles passarem do ponto algumas vezes por pequenos intervalos de tempo que a criptonita sai da caixa e a fraqueza desses super-homens aparece.
Existe um termo na literatura ciclística em inglês “burning matches” ou queimando fósforos, trazendo para o português. Este termo se refere a capacidade que um ciclista tem de passar períodos de tempo acima do seu limiar de potência e continuar se recuperando. Como uma caixa de fósforos, é um estoque limitado, uns tem mais, outros menos... uns muito e outros bem pouco. E isto, mesmo sendo “treinável” até certo grau, é em sua maior parte determinado pela genética.
Como exemplo, um especialista em contra relógio como o herói suíço consegue lidar com umas 5 a 10 acelerações de um a dois minutos em potencias acima dos 150% do seu limiar ou talvez 10 a 20 variações de até cinco minutos na casa dos 30% acima – eu sei, é bem complicado e não da pra ter uma idéia direito, mas com certeza ele sabe o quanto ele agüenta e pelo visto a Astana também tinha uma idéia, visto a quantidade de acelerações que eles colocaram em menos de 10km de subida – lógico, eles não são estúpidos e sabiam que por mais forte que fosse o ritmo não iam deixar o camisa amarela pra trás se não fizessem ele ficar oscilando potência. A Astana se lembra muito bem da força constante que ele é capaz de colocar em subidas, alguns membros da equipe estavam sendo despedaçados no Alp d’Huez o ano passado, e o restante com certeza tremeu ao assistir pela TV.
Pra ilustrar, seguem dois gráficos de potência, o primeiro é de um CRI e o segundo de uma prova de circuito:
Exceções a regra existem? Alguns podem dizer que Miguel Indurain era uma exceção, um exímio contra-relogista talvez o melhor de todos os tempos, detentor de recorde da hora e varias vezes campeão do Tour, Giro e Vuelta. Eu por outro lado já acho que ele também tinha sua caixinha de fósforos limitada, mas o teto do limiar dele era algo tão “inumano” que pra fazer ele gastar os preciosos Fósforos dele era preciso MUITA força e que os pelotões raramente conseguiam, fazendo assim com que ele se defendesse muito bem que qualquer tipo de prova!?!?
A arte do contra-relógio está em manter uma potência quase constante e sempre perto do mais “sustentável” possível pela duração requerida, e não em manter a maior oscilação de potencia durante o mesmo intervalo.
Ainda há o aspecto psicológico de conseguir fazer força sozinho, com a cara no vento por muito tempo sem ter uma competição real, a não ser o relógio e o velocímetro. Aquela vontade interminável de competir com você mesmo e com mais ninguém. Algo que ficou claro no crono escalada do Alp d’Huez em 2004, quando o exímio escalador Ivan Basso tomou uma eternidade de tempo do Lance em um terreno em que, em teoria ele mandava. Como? Pode parecer absurdo, mas ciclistas como Ivan Basso precisam de uma referência para conseguir extrair o máximo de seu potencial em subidas, por isso a maioria dos grandes nomes do Tour usam gregários puramente “escaladores” para pacing em parte da subida, e mesmo esses gregários usam a variação de velocidade e potência na subida pra poder manter o seu capitão com a cabeça no jogo.
Então temos dois tipos de ciclistas, aqueles que se transformaram em máquinas de constância e se tornaram excelentes contra-relogistas e aqueles que são naturalmente habilitados a lidar com variações enormes de potência, cadência e torque e viram ciclistas de tour's, critérios e resistência? Não só isso. Existem outros ainda nessa que é uma das modalidades mais diversas do esporte. Existem os sprintistas, os passistas, os perseguidores... e com tempo pretendo falar um pouco de cada uma dessas especialidades.
A Prova da Verdade
Dizem no mundo do ciclismo que a prova de Contra-Relógio é a prova da verdade, onde os melhores vencem, eu discordo. Com certeza é uma prova especial que requer condicionamento diferenciado, tanto que grandes nomes do ciclismo e campeões de Tour’s e Giro’s passaram a vida sem dominar esse tipo de prova.
No meio do ciclismo se fala muito em relação peso x potência, uma vez que as grandes provas são decididas nas montanhas. Tal relação leva em consideração a potencia em watts que um ciclista gera por um determinado tempo e divide esse valor pelo peso em kilos dele – Quem leu o livro “A Guerra de Lance Armstrong” deve lembrar do valor de 7 watts/kg que o Dr Maligno afirma ser o número em que um ciclista se tona imbatível no Tour de France (esse valor se dava pela potencia no limiar de lactato do atleta).
Mas o quanto dessa relação peso potencia influencia um contra relógio?
Na minha opinião, a não ser que seja um “crono-escalada” como foi em 2004 no Alp d’huez essa relação não quer dizer nada. Num CRI (contra-relógio individual) o que mais deve ser levado em consideração é a potencia relativa ao arrasto aerodinâmico e a variação desta potencia no decorrer da prova.
Potencia x Arrasto:
“O” cara do CRI hoje no mundo é um suíço que deve pesar de pernas o que o espanhol Alberto Contador pesa junto com a sua bicicleta J. Exageros à parte, Fabian Cancellara não é um cara pequeno, deve pesar na casa dos 80kg, o que é categoria “obeso” pra qualquer pretendente a campeão do Tour de France ou do Giro d’Itália, mas ao mesmo tempo ele é um monstro no quesito potência. Pra colocar números, Vamos imaginar que o Contador com seus 61kg esteja perto da razão estipulada pelo Dr Michelle Ferrari no livro do Lance. Isso daria um limiar de potência na casa dos 400 e poucos watts para o Espanhol.
Aí pegamos a locomotiva Cancellara com seus 80kg e um limiar (esrimado na casa dos 500 e la vai fumaça watts o que colocariam ele na casa dos “míseros” 6w/kg, não sendo assim um candidato a passar os Alpes e Pirineus na frente de todo mundo, mas o tornando provavelmente imbatível na briga contra o vento e o relógio ;-)
Variação de potencia:
Essa é talvez a maior arma do contra-relogista, mas também seu maior defeito pra lidar com o pelotão.
Todo arquivo de potência que eu já vi até hoje dos grandes contra-relogistas mostra duas coisas claras: a primeira (é óbvio) um MONTE de watts L, e a segunda é o incrível poder que esses caras tem de oscilar muito pouco essa usina de força independente de percurso, vento e etc. Alguns perfis de potencia parecem gerados por máquinas, de tão bem dosados. Lógico, eles fazem mais força nas subidas e com o vento na cara, mas esta variação é somente suficiente para manter aquela cadência, aquela batida. Nada que destrua as pernas nem que comprometa a capacidade deles ganharem velocidade uma vez que a subida acaba ou que o vento mude.
E este talvez seja o maior atributo de um contra-relógio perfeito, dosar as energias de maneira que você dê o seu melhor no percurso como um todo e não em determinada parte dele, como numa subida...
Um excelente exemplo é o do CRI de abertura do Tour ontem, era um percurso estupidamente duro (mas igualmente lindo) de 15,5km que subia mais da metade e a descida na volta era extremamente técnica. O vencedor? O próprio Fabian, enfiando 18s num dia onde até então a briga era por um, dois segundos... e o incrível é que em todas as parciais intermediárias (nas subidas) ele não aparecia entre os primeiros – fazer o que? Ele foi campeão olímpico com a mesma estratégia – será que funciona?
Pra dominar um CRI completamente ainda existe o fato de conseguir gerar toda essa potência numa posição aerodinâmica e numa bike com geometria diferente, mas isso é assunto que dá um outro “livro”