PaCE(iência) - 2a parte

A foto acima da "dupla dinâmica" Jú Berti e Talita Saab nos jogos regionais - um ouro, duas pratas e um bronze no ciclismo pela cidade de Itatiba!


Infelizmente para nós triatletas ou contra-relogistas, a história das caixas de fósforos não acaba no pelotão, ela é parte essencial de um bom pace em um contra relógio.

Recentemente em troca de e-mails com o Luiz Eng, ele me apresentou um novo conceito de medida de intensidade, o qual ele disse estar usando com bastante sucesso para dosar os treinos fazendo com que ele terminasse o treino negativando em potência (ele, como eu também treina com ajuda de um medidor de potência). O conceito que ele batizou de “limiar de queimação” pareceu meio coisa de doido no começo, mas depois de pensar um pouco, se transformou em uma idéia genial, e fez bastante sentido.

Ele disse que durante a 1a metade dos treinos ele fazia força nas subidas até a perna começar a sentir aquela “pré queimação” característica de quando a gente está fazendo força suficiente pra começar a acumular fadiga. E que depois de um tempo ele estava passando as subidas muito mais controlado e sem extrapolar seus limiares de potência, e com isso ele estava conseguindo voltar com maior potência que na ida, terminando o treino bem mais forte e saindo pra correr mais inteiro.

Como bons contra-relogistas, nós triatletas provavelmente temos uma caixa de fósforos extremamente limitada (se este não é seu caso, acredite: você está no esporte errado J) e o começo de treinos e provas se mostra crucial para controlarmos as pernas e guardarmos nossas energias, pois diferentemente dos ciclistas de pelotão a “queima” dessa energia extra não vai trazer nenhum benefício, visto que andar no pelotão (em teoria) não é permitido.

Colocando de maneira bem simples, no começo de um treino ou prova, a sensação de “pernas novas” pode mascarar o abuso de força, fazendo com que o atleta “queime seus fósforos” sem perceber. Se isso for bem controlado no começo, depois de um tempo torna-se muito mais difícil de passar dos limites, pelo fato das pernas já estarem com uma sobrecarga e aquela explosão de energia não acontecer mais tão facilmente. Simples então, a chave pro sucesso é começar devagar e ir apertando?

Mais ou menos. Para o triathlon sem vácuo isso é uma verdade, mas para provas de contra-relógio ainda existe a questão de saber como lidar com a aceleração inicial saindo da rampa de largada, porque no final ninguém quer saber se seu padrão de potência foi bem distribuído, mas sim qual o tempo que você completou o percurso, e levando em conta que provas de contra-relógio são decididas por míseros segundos, a aceleração inicial torna-se uma parte critica da prova, que como todo o resto deve ser treinada.

E numa prova com vácuo liberado? Bom, aí o começo forte pode ser uma questão de sobrevivência, e talvez o atleta precise de mais explosão inicial do que numa prova de CRI, mas algumas diferenças devem ser levadas em consideração: num CRI o atleta aquece muito (mais de uma hora na maioria das vezes) e em sua própria bicicleta, terminando não mais do que 10min antes da largada estando portanto pronto pra sair girando as pernas forte; enquanto num triathlon, na maioria das vezes, na saída pro pedal o sangue ainda está concentrado nos braços, e sair dando tiro da T1 pode acabar com a prova até mesmo do ciclista mais forte. A dica nesta situação é de colocar uma marcha “pesada” assim que calçar as sapatilhas até a hora que estiver encaixado no pelotão, e a partir daí girar mais as pernas pra que o sangue comece fluir normalmente. Pedalar pesado nesse caso faz com que a necessidade de sangue para as pernas não seja tão grande e que aos poucos a irrigação vá melhorando – Quem quiser pode fazer um teste simples de subida usando alta e baixa rotação para a mesma velocidade e através de um monitor cardíaco constatar que a alta cadência faz sua FC subir mais – Mas esta lógica só vale se o esforço for curto e que a recuperação aconteça, caso contrario a prova pode acabar na T2 L.

Algumas dicas em cima de erros que eu já cometi nos percursos mais conhecidos do triathlon:

Internacional de Santos: como todo percurso de vai e volta, controle na ida é fundamental, não tem curvas, nem subidas para diminuição de velocidade e mudança de posição em cima da bike ficando portanto muito mais fácil de extrapolar na ida e depois “culpar” o vento pela volta mais lenta J

Troféu Brasil Santos: A chave pra esse percurso depois de não se matar na avenida da praia é usar cérebro para lidar com as curvas fechadas do percurso, ninguém precisa fazer as curvas no volantão, e por falar em curvas, treinar curvas fechadas é um excelente ganho de tempo para esse percurso!

USP: Blah... esse percurso é duro. Eu particularmente adoro (a parte técnica, não os buracos, lombadas e treme-treme) tem de tudo, parte rápida, parte lenta, parte dura, e por aí vai. Acelerações bem dosadas e curvas bem feitas são a chave pra esse percurso, uma bike não muito agressiva também ajuda e muito na parte interna da cidade universitária, se pudesse eu trocaria de bike no portão de entrada... Onde eu vejo maior potencial pra erro de pacing são nas subidas, que são um pouco duras, curtas e em nenhuma delas a gente vem embalado o suficiente pra só “passar”. Esse é um percurso em que as 20 marchas da bike fazem valer o investimento!

Caiobá: Esse é falsamente fácil. Plano e todo mundo tem a impressão que dá pra decolar... Toda vez que tive essa impressão lá me dei muito mal! Nunca peguei aquele circuito com vento (embora o pessoal de lá diz que venta bastante) mas sempre ouvi comentários do tipo “nossa, como ventou na última volta” – eu mesmo já pensei isso e, sinto muito, mas esse comentário deveria ser “nossa, como eu fiz força de mais na 1a volta”. Quer uma boa dica pra essa prova? Se em algum momento da prova você achar que o pneu ta mucho ou o vento aumentou subitamente... você já era!

Ubatuba Long: Pérola dos percursos de ciclismo no triathlon brasileiro, as subidas longas tornam esse percurso um dos mais difíceis de se dosar as energias corretamente. Mesmo com a ajuda de um medidor de potência eu já falhei miseravelmente várias vezes. Embora as subidas mais duras estejam na ida, os 11km antes do Félix na volta são na minha opinião o divisor de águas da prova, é quase tudo de ganho de altitude com pequenas quebras, nada muito inclinado, mas é muito tempo de potência constante, sem alivio significativo. Quem chega ali com as pernas “razoáveis” fez um excelente trabalho e está próximo de uma prova perfeita (no pedal, claro J).

Pirassununga: Rápido! Mas sempre começa a ventar da metade pro final?!?! Ou será que a gente começa a cansar mais a partir daí e qualquer vento se torna um furacão? Pirassununga está longe de ser um circuito plano, mas é um circuito que embala MUITO, os constantes “sobe e desce” fazem com que as velocidades medias sejam altas. Qual o segredo lá? PASSEAR na primeira volta, e a partir daí trabalhar as subidas ao nosso favor – eu gosto da expressão “aplanar a subida” ou seja fazer com que ela não exista do ponto de vista de variação de força (cuidado: isso não funciona em Ubatuba!). Pela característica do terreno a gente sempre vem embalado antes de uma subida, a idéia é entrar na subida mantendo a pressão nos pedais, e trocando de marcha – para a maioria dos atletas só isso basta para passar 90% delas – mas se ela não acabar antes das marchas, deixe pra fazer aquela força “extra” perto do topo e mantenha até a bike embalar na próxima descida novamente, em termos de velocidade media isso é muito mais eficiente que subir fazendo força e assim que chegar no topo parar de pedalar e “esperar” a gravidade agir!

Como o Sebá bem disse uma vez, isso tudo acaba se tornando muito mais uma questão de confiança do que outra coisa, por isso que alguns dos treinos tem que refletir o que você pretende fazer na prova, pra ver se realmente funciona. Se funcionar, USE no dia da prova. Não é porque alguém passou voando na saída da T1 que você tem que mudar a estratégia!

E no Ironman?!?!?! J


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