Semana passada estive competido ciclismo nos jogos regionais. Já fazia mais de dois anos que eu não me metia numa prova de circuito, e honestamente deveria ter ficado de fora mais alguns anos J - Tinha me esquecido como é duro esse tipo de prova e de como eu definitivamente não nasci pra isso. Vira, arranca, diminui, arranca, breca, vira, arranca... por 40 voltas de 1km... blah... eu tava morto a partir da quinta e tive que me segurar por mais de 30 voltas pra não sobrar do pelote nas inúmeras arrancadas. Mas acabou sendo um excelente treino J
Eu me considero um bom contra-relogista, não um bom ciclista e talvez por isso não me dê bem em provas com circuito curto, nem de montanhas. Lógico que ter ficado de fora por tanto tempo acaba afetando a parte técnica (curvas erradas, mau posicionamento no pelotão e até mesmo erro de mudança de marcha), mas afinal de contas, qual a diferença? Porque na etapa de montanha desta última sexta-feira vimos o Expresso Cancellara ser largado pra trás como um simples mortal sendo que a imagem dele entrando no Alp d’Huez puxando o pelotão a mais de 40kph e despedaçando as esperanças de muitos no Tour do ano passado ainda estava viva em nossa mente?
A resposta está longe de ser simples, mas posso tentar colocar da seguinte maneira: Um bom contra-relogista não nasce pronto, ele é resultado de muito trabalho, treinos, dedicação, sofrimento e conhecimento. Enquanto um bom ciclista é o resultado de tudo isso aliado a uma boa escolha de pai e mãe, e no caso de uma prova como o Tour de France, a escolha dos avós também é importante J
Variação e quebra de ritmo. Essa é a chave pra se largar um cavalo como Fabian Cancellara ou Gustav Larson pra trás numa etapa de montanhas. Estes ciclistas, especialistas em contra-relógio são máquinas de despejar potência moderadamente alta por muito tempo sem cansar ou “quebrar”, mas é só fazer eles passarem do ponto algumas vezes por pequenos intervalos de tempo que a criptonita sai da caixa e a fraqueza desses super-homens aparece.
Existe um termo na literatura ciclística em inglês “burning matches” ou queimando fósforos, trazendo para o português. Este termo se refere a capacidade que um ciclista tem de passar períodos de tempo acima do seu limiar de potência e continuar se recuperando. Como uma caixa de fósforos, é um estoque limitado, uns tem mais, outros menos... uns muito e outros bem pouco. E isto, mesmo sendo “treinável” até certo grau, é em sua maior parte determinado pela genética.
Como exemplo, um especialista em contra relógio como o herói suíço consegue lidar com umas 5 a 10 acelerações de um a dois minutos em potencias acima dos 150% do seu limiar ou talvez 10 a 20 variações de até cinco minutos na casa dos 30% acima – eu sei, é bem complicado e não da pra ter uma idéia direito, mas com certeza ele sabe o quanto ele agüenta e pelo visto a Astana também tinha uma idéia, visto a quantidade de acelerações que eles colocaram em menos de 10km de subida – lógico, eles não são estúpidos e sabiam que por mais forte que fosse o ritmo não iam deixar o camisa amarela pra trás se não fizessem ele ficar oscilando potência. A Astana se lembra muito bem da força constante que ele é capaz de colocar em subidas, alguns membros da equipe estavam sendo despedaçados no Alp d’Huez o ano passado, e o restante com certeza tremeu ao assistir pela TV.
Pra ilustrar, seguem dois gráficos de potência, o primeiro é de um CRI e o segundo de uma prova de circuito:
Exceções a regra existem? Alguns podem dizer que Miguel Indurain era uma exceção, um exímio contra-relogista talvez o melhor de todos os tempos, detentor de recorde da hora e varias vezes campeão do Tour, Giro e Vuelta. Eu por outro lado já acho que ele também tinha sua caixinha de fósforos limitada, mas o teto do limiar dele era algo tão “inumano” que pra fazer ele gastar os preciosos Fósforos dele era preciso MUITA força e que os pelotões raramente conseguiam, fazendo assim com que ele se defendesse muito bem que qualquer tipo de prova!?!?
A arte do contra-relógio está em manter uma potência quase constante e sempre perto do mais “sustentável” possível pela duração requerida, e não em manter a maior oscilação de potencia durante o mesmo intervalo.
Ainda há o aspecto psicológico de conseguir fazer força sozinho, com a cara no vento por muito tempo sem ter uma competição real, a não ser o relógio e o velocímetro. Aquela vontade interminável de competir com você mesmo e com mais ninguém. Algo que ficou claro no crono escalada do Alp d’Huez em 2004, quando o exímio escalador Ivan Basso tomou uma eternidade de tempo do Lance em um terreno em que, em teoria ele mandava. Como? Pode parecer absurdo, mas ciclistas como Ivan Basso precisam de uma referência para conseguir extrair o máximo de seu potencial em subidas, por isso a maioria dos grandes nomes do Tour usam gregários puramente “escaladores” para pacing em parte da subida, e mesmo esses gregários usam a variação de velocidade e potência na subida pra poder manter o seu capitão com a cabeça no jogo.
Então temos dois tipos de ciclistas, aqueles que se transformaram em máquinas de constância e se tornaram excelentes contra-relogistas e aqueles que são naturalmente habilitados a lidar com variações enormes de potência, cadência e torque e viram ciclistas de tour's, critérios e resistência? Não só isso. Existem outros ainda nessa que é uma das modalidades mais diversas do esporte. Existem os sprintistas, os passistas, os perseguidores... e com tempo pretendo falar um pouco de cada uma dessas especialidades.
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