Durante a vida de todo atleta, com certeza alguns treinos ficam gravados. Uns por simplesmente terem sido completados, como o primeiro 180km, a primeira subida da serra de Campos e por aí vai. Outros pela dureza, como o treino Vinhedo – Poços de Caldas ou o treino com a equipe de Ribeirão em Cristais. E outros ainda pelos momentos mágicos e excelentes companhias, como a subida da serra de Taubaté ou a viagem Pinhal – Campos – Aparecida.
Mas se você for uma pessoa de sorte, tudo isso acontece em um treino só e aí esse dia entra para a lista de dias memoráveis, não só no esporte mas na nossa vida em geral.
Semana passada, após o Long Distance de Caiobá meu amigo e companheiro de equipe Alê Gantus me convidou pra acompanhá-lo num treino de 200km que ele iria fazer em preparação para o IM. Ele vai continuar negando isso, mas no decorrer da conversa, não por meu intermédio, surgiu a idéia de fazer tal treino com um toque extra de crueldade... decidimos terminar o treino subindo a serra de Campos do Jordão, e como idiotice pouca é bobagem, porque não prolongar o sofrimento fazendo a subida indo pelo sul de Minas? (pra quem conhece, entrando para Santo Antônio do Pinhal e fazendo o percurso da copa VO2).
Durante a semana as coisas se ajeitaram, o Marcelinho se ofereceu para fazer a escolta dos dois malucos, entramos no GoogleMaps e vimos que se saíssemos de Atibaia chegaríamos em Campos do Jordão com os aproximados 200km. Pra ser honesto um frio na barriga começou a bater... pelas minhas contas seriam umas 7h de pedal se tudo estivesse a favor (inclusive o vento), e eu tive que revirar meus arquivos de treinos pra lembrar quando foi a última vez que eu tinha passado mais de 6h em cima da bike – Agosto de 2004 foi a data mais próxima, sendo que a ultima vez que eu fiz algo tão insano foi num Sábado em novembro de 2003, um dia antes daquele que seria o dia mais triste da minha vida.
O dia começou cedo, 5h30 da manhã o Ale, e nosso inestimável apoio Marcelinho e Mônica estavam aqui em Vinhedo carregando o carro e prontos pra sair. 6h45 saímos do posto BR na rodovia D. Pedro em Atibaia, onde toda a galera da RM estava se aprontando para o treino longo. Dia maravilhoso, meio friozinho ainda e pegamos a estrada.
Ao passar Nazaré Paulista, no começo da descida da serra de Igaratá uma densa neblina nos pegou e foi assim até o 3o túnel da Carvalho Pinto, aliás... uma coisa impressionante que a gente acabou chamando de “túnel do tempo” pois entramos de um lado com o tempo encoberto por neblina baixa e saírmos do outro lado num céu azul de brigadeiro... IMPRESSIONANTE. E assim fomos, tocando sem problemas até o pé da serra. O visual estava tão lindo que nem o vento chato, contra o tempo todo atrapalhou. O Ale teve dois pneus furados mas com todo o apoio do Marcelinho acabou sendo rápido.
No pé da serra troquei de bike. Coloquei a Kuota no carro e peguei a Madonne, afinal bike de ciclismo pra subir serra é muito mais confortável (se é que existe isso depois de mais de 150km pedalando). Esse é um erro que eu nunca mais pretendo cometer. A troca de grupos musculares foi parcialmente cruel, principalmente com as costas, e durante a 1a subida eu senti a lombar, coisa que raramente me acontece. Estava me sentindo muito bem, e já estávamos perto das 6h de pedal. Acabei abrindo um pouco do Ale na subida, mas parei em Pinhal pra esperar e aproveitei pra comer meu último sanduíche.
Antes de encarar a última subida ainda fizemos uma parada pra tomar uma coca cola (liquido milagroso) e depois eram menos de 20km.
Iniciamos a última subida, meu treino tinha 4km a mais que o do Ale desde o primeiro furo dele que eu tinha aberto um pouco e voltei 2km pra encontrá-lo, e pelas minhas contas ele ia cravar os 200k no topo da serra enquanto eu ia bater “a marca” a 4km do final.
Começou a última subida, e aquela sensação de força que normalmente me acompanha nos treinos de pedal estava se esgotando numa velocidade inacreditável. A coisa com a marca dos 200km, algo que eu jamais pensei que fosse fazer novamente depois de ter perdido meu “irmão” pra esse tipo de insanidade, demorava demais pra chegar... E quanto mais perto, mais duro ficava. A energia vinha e voltava como num dia de temporal, as vezes sentia força brotar do nada e de repente “caia uma fase” e tudo ficava na penumbra.
Malditos 200km que não chegam. O último km demorou uma eternidade pra passar quando finalmente eu vi 200.00 no computador. Parei! Desci da bike enquanto o Ale que parecia ficar mais forte a cada km passou gritando “Deu?”... Deu, vou comer alguma coisa e depois toco até o fim.
Encostei a bike no barranco, tirei um pacote de goiabinha do bolso, peguei minha caramanhola com água e fiquei olhando aquele visual... Muitas lembranças vieram como uma avalanche na minha cabeça, e de repente aquele jato de bem estar. Respirei fundo aproveitando aquele ar que chega a queimar de tão puro e montei na bike de novo.
Cadê minhas pernas???? Devem ter ficado em algum lugar quilômetros a baixo. E o que me empurrou nessa última hora? Com certeza o coração e a alma.
Coloquei a menor marcha que eu tinha, o que ainda era pesado demais àquela altura e terminei sem pressa. 204,19km em pouco mais de 7h20. Alma lavada!
Não tem como agradecer ao trio por esse dia. Marcelinho e Mônica: 8h dentro de um carro??? Não tenho palavras pra descrever a gratidão. Ale, seu animal: Nunca mais me chame pra uma dessas, mas pode contar comigo em qualquer outra, desde que a idéia seja sua J
Valeu demais galera!
11 comentários:
Quando combinamos este treino, não parei para pensar muito, apenas tinha a certeza que seria um excelente treino para o iron!
Mas foi o treino mais duro que já fiz até hoje, lidar com os altos e baixos de um treino longo acabou sendo o de menos!
Mas a maneira que você descreveu tudo foi perfeita. O local, clima e visual amenizou vento, dor, e tudo mais!
Queria te agradecer aqui publicamente pois jamais outro animal me levaria para um treino como este... me levaria por ter dado a idéia ;-) E te ver pedalando me faz superar qualquer dificuldade, que exemplo!
Obrigado!!!
Ao Marcelo e Monica, sem palavras... não tenho como agradecer!
Ale
Inveja branca. Curitiba tem excelentes oportunidades de pedal, mas o que falta às vezes é gente maluca assim para fazer algo diferente.
Parabéns aos dois.
m.
Que legal!!
Parabéns aos dois pelo treino!!!
204km é bem complicado.. com aquela serra ainda.
Sobe, sobe, sobe, sobe, e no final sobe mais um pouco.
Caro LODD,
Meu nome é Rogério e acompanho seu blog semanalmente e aprecio suas postagens.
Um dia desses eu também sem treino algum, resolvi correr 42km, mas larguei as 13:00, sem apoio, sem celular e com apenas uma garrafinha de água, corri 44km sem parar em 5:30 e quase morri.
Portanto aprecio esses treinos malucos.
Hoje me dedico ao triathlon, o grande amor esportivo da minha vida.
Voce poderia por favor me passar o roteiro detalhado desse treino, pois espero um dia percorre-lo.
Parabéns!
Abraços
Rogério
Sensacional o texto, as fotos e as palavras de agradecimento.
Aliás não precisa agradecer pq fiz, faço e sempre vou fazer de coração para os meus amigos.
Vc e o Ale padalaram muuuuuito e foram verdadeiros heróis depois de 150K de bike encarar mais 50K de puuuuura subida.
Abraços
Marcelinho
Rogério, veja bem... não foi sem treino algum. Com certeza eu não estava terinando pra passar tanto tempo em cima da bike, mas tenho uma história que me favorece nesse aspecto. E mesmo assim paguei um pouco pelo excesso.
Não é a intensidade nem a distância, mas o tempo. A última vez que fiz algo semelhante foi em novembro de 2003, de lá pra cá mesmo treinando com equipe de ciclismo e para IM eu nunca passei mais que 6h em cima da bike - lógico que a intensidade acaba sendo bem maior, mas como eu disse é a duração que pega.
Por isso, seguindo o faça o que eu digo e não o que eu faço (rs): se você quiser partir para um treinão eu sugiro que você limite o tempo total desse treino em 50% do seu treino mais longo nos últimos dois meses e a intensidade LÁ EMBAIXO.
A mega endurance no ciclismo é um campo que desperta bastante "interesse" e é bem bacana (dependendo dos luares que vc tem pra treinar). Por isso, se você quiser tentar uma dessas, vai subindo teu volume até perto de umas 5h de treino e aí parte pro abraço.
Lembre-se sempre de ir com mais alguém e com apoio.
O itinerário foi mais ou menos o seguinte: Saímos do km 67 da rod D. Pedro, tocamos até a Carvalho Pinto e daí direto até a serra de Campos. Começamos a subida pela serra nova (a usada normalmente pra ir pra Campos) e depois entramos pro sul de minas (Sto Antônio do Pinhal) Aí pegamos a SP-050, que liga a cidade de Monteiro Lobato ao alto da serra de Campos.
Vou tentar criar um link do caminho para o google maps e coloco aqui no post.
Abs
Alê, como eu disse no post: É só chamar ;-)
Max, meu bom amigo... quando os malucos estiveram por aí você não aproveitou rsrsrs. A próxima a gente combina aí na Graciosa!
Cirão, isso é aquecimento pra Junho!
Marcelucho: esquecei de mencionar uma coisa... 8h com a tua mulher num carro a 30kph deve ter dado pra discutir os problemas de casal dos próximos 20 anos, hein?
LODD
Fala ae LODD!
Acompanho seu blog a algumas semanas tmb, assim como o Rogerio.
Tenho uma historia muito similar, comecei a pedalar a pouco tempo e no ultimo sabado fiz meus primeiros 100k de bike, fiquei muito emicionado e me vi nas suas palavras descrevendo os dias especiais que temos nos treinos e tudo mais...
Atravez aqui do seu blog tmb conheci a velotech e fiz o bike fit com o Felipe! hehehe
Vc irá participar da etapa aqui de Campinas da claro 100k? estarei la para assitir esse pessoal da elite!
Segue abaixo blog q tenho com amigo meu, la eu descrevo tmb minha pedalada de 100k..
http://cricasrunners.blogspot.com/
Abraços
Tiago (Crica)
Oi Tiago,
Li teu blog e lembrei do meu primeiro treino de 100k também, doeu mas foi onde eu peguei o "virus" da bike ;-)
Não vou correr a claro100k desta vez. Tenho outros planos e essa corrida ia acabar atrapalhando um pouco, mas vou pra copa VO2 em Campos semana que vem e se tudo der certo vou competir no velódromo de Americana no dia 8.
Abs
LODD
Como disse ao Alê, já havia combinado meu treino com meus companheiros de treino, no sábado, senão ia arriscar esse "quebra-canela". Como bem disse, passar de 5 horas na bike é complicado, basta mandar te amarrarem pra durmir e pensar que só poderá ficar naquela posição, pronto, quero ver alguem aqui não ficar incomodado, depois de 5 ou 6 horas. Disse ao Alê, tive casa em campos por quase 20 anos e NUNCA, fiz esse pedal, é um sonho que ainda vou realizar, tenho certeza. Denovo pensei em vcs no domingo, sabia que fariam esse treino e me imaginei junto, realmente show demais, mais uma pro portifolio, parabéns aos dois =)
Já falei antes de como você escreve bem, mas desta vez você se superou. Você usou cada fibra do corpo,toda força mental e mais a paixão pelo esporte para dar conta do desafio. Depois veio aqui e escreveu com a alma. Muito,muito bom!
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